domingo, 4 de março de 2012

NEW LOOK!!!...Coimbra!...Conhecimento e Glamour!...à Veneranda Mestre M.M.V....Eugénio de Castro!Thanks.




Eugénio de Castro e Almeida (Coimbra, 4 de março de 1869 — 17 de agosto de 1944) foi um escritor português.

Por volta de 1889 formou-se em Letras pela Universidade de Coimbra e mais tarde veio a lecionar nessa faculdade. Funda a revista "Os Insubmissos" com João Menezes e Francisco Bastos ainda nos últimos anos da sua licenciatura, mais propriamente em 1889. Colaborou com a resvista que fundou e com a revista "Boémia nova", ambas seguidoras do Simbolismo Francês. Em 1890 entrou para a história da literatura portuguesa com o lançamento do livro de poemas "Oaristos", marco inicial do Simbolismo em Portugal.

A obra de Eugénio de Castro pode ser dividida em duas fases: na primeira, a fase simbolista, que corresponde a sua produção poética até o fim do século XIX, Eugénio de Castro apresenta algumas características da Escola Simbolista, como o uso de rimas novas e raras, novas métricas, sinestesias, aliterações e vocabulário mais rico e musical.

Na segunda fase ou neoclássica, que corresponde aos poemas escritos já no século XX, vemos um poeta voltado à Antiguidade Clássica e ao passado português, revelando um certo saudosismo, característico das primeiras décadas do século XX em Portugal.


OARISTOS



OARISTOS

I

Triunfal, teatral, vesperalmente rubro,
Na diáfana paz dum poente de Outubro,
O sol, esfarrapando o incenso dos espaços,
Caminha para a morte em demorados passos,
Como as bandas que vão a tocar nos enterros...
E surgindo detrás de acuminantes serros,
Melancolicamente a lua de mãos belas,
Tecedeira do azul, tece num tear de estrelas,
Um lenço branco, um lenço alvíssimo e brilhante,
Para acenar com ele ao sol, seu ruivo amante...
Sobre o verde jardim caem penumbras lentas.

Em seus vasos de louça, as flores sonolentas
São berços embalando o dormir dos insectos;
A alma dum arroio, entre avencas e fetos,
Suspirosa, murmura em cascavéis de prata;
Velha Níobe, chora ao longe uma cascata;
Esplendem girassóis como fulvas custódias;
Passam no éter brando as pastorais monódias;
E à flor dum lago, onde o sol cai em flavos feixes
E onde passam legiões de escarlatinos peixes,
À flor dum lago azul, circundado de buxo,
Simbólico, real, levanta-se um repuxo,
Como uma grande flor de cristal a cantar!

Foi numa hora assim, mansa, crepuscular,
Que ao longo desta longa e folhosa alameda,
Altiva, imperial, entre um rugir de seda,
Vi pela vez primeira a Eleita de minh'alma,
A grande Flor subtil, inigualável, alma,
A Maior, a mais Bela, a mais Amada, a Única!

Vinha gloriosa e triste, envolta em negra túnica,
Que no chão se rojava em ondulantes dobras,
Tinha no calmo andar a elegância das cobras,
A leveza dum silfo e a graça duma ânfora,
E, assim como num golpe um alvo pó de cânfora,
O seu olhar fazia doer, olhar profundo.

Eu era nesse tempo um grande vagabundo,
Um precoce infeliz, viúvo de ilusões;
O sinistro fragor das mundanas paixões
Não chegava de há muito a meus ouvidos lassos;
O egoísmo, o grande rei, cingira-me em seus braços;
De ninguém tinha dó, de ninguém tinha inveja...
Contemplando de longe a sórdida peleja,
Esta infrene peleja, a que chamamos vida,
Seguia, alheio a tudo e de cabeça erguida,
Tendo um único irmão: o meu gelado orgulho.
A Dúvida, funesto, ardente sol de Julho,
Queimara, rudemente, a flor da minha crença;
Em meu peito reinava a fria indiferença;
Tinha descarrilado o vagão dos meus sonhos;
Meus dias eram maus, longuíssimos, tristonhos,
Ensopados de névoa e de melancolia...

Mas ao vê-lA surgir triunfalmente fria,
Grácil como uma flor, triste como um gemido,
Meu peito recobrou o seu vigor perdido,
Todo eu era contente e alegre como um rei!
E, cheio de surpresa, abismado, fiquei
A olhar o seu perfil e o garbo do seu colo,
Cheio de admiração, como um homem do pólo
Quando, depois de ter suportado os reveses
Duma noite cruel e fria de seis meses,
Iluminando enfim os tenebrosos trilhos,
Vê surgir, entre a neve, o sol com ruivos brilhos!

O céu fulgia como a cauda dum pavão.

Aos seus cabelos reais prendiam-se no chão,
Triste e amorosamente, as pálidas folhagens,
Enquanto os olhos meus seguiam como pajens,
O seu rítmico andar sonâmbulo e moroso...

Assim me apareceu o Lírio tenebroso,
Cujo ar desprezador me fere e vampiriza,
Criatura esfingial, triste como Artemisa,
Vingativa, feroz e linda como Fásis,
Flor cujo corpo é o aprilino oásis,
O caravansará que, por noites insanas,
Vão demandando embalde as longas caravanas,
As caravanas dos meus nómades desejos...
Assim eu vi brilhar seus olhos malfazejos,
Assim me deslumbrou a graça do seu busto!
Hoje venho cantar em verso nobre e augusto
Seus álgidos desdéns, tão frios como um túmulo,
E seu corpo que é a quinta-essência, o cúmulo
Da esbeltez, do frescor, da graça feminina.

– Flor bizarra, que eu vi à hora vespertina,
Flor marcescente, que eu constantemente sigo,
Flor, que olho sem cessar, como um estilita antigo,
Olhando o flavo sol, de pé, numa coluna,
Flor de trigueiras mãos, de cabeleira bruna,
Em teu regaço ponho este livro a ti feito.
Este livro febril, que delira e que mostra
Um desvairado amor agarrado ao meu peito,
Rara pérola azul agarrada a uma ostra!



II

Em verso vou cantar o meu Diamante preto!

Do mais grácil, estranho e bizantino aspecto,
Flexível corno um junco e esbelto como um fuso,
Seu núbil corpo tem, num dualismo confuso,
A finura do lírio e o garbo das serpentes;
Soberba e esguia, com seus passos indolentes,
Quando caminha. lembra uma túlipa a andar;
Lenta e subtil, parece até que vai no ar,
Como um caule de flor, levada pela aragem;
Basta vê-lA uma vez para que a sua imagem
Leve, tão leve como os perfumes e o som,
Fique vibrando em nós, eternamente, com
A doçura sem par duma voz que se extingue...

Franzino e original, o seu corpo é um moringue
Em cujo colo estreito alguém tivesse posto
Um moreno botão de rosa-chã, – seu rosto,
Grácil botão que exala uma essência secreta,
Botão onde pousou nocturna borboleta
Com asas negras, muito negras, – seus bandós.
Sua desfalecida e liquescente voz,
Dorida como um ai e lassa como um canto,
Sua lânguida voz, maravilhoso encanto,
De que Ela tem o amavioso monopólio,

E um fio de veludo, um suavíssimo óleo:
Suave, a sua voz suave se derrama...

Seu hálito infantil endoidece e embalsama,
Subtil como o ananás, forte como um veneno.

Seu pescoço sem par é um cortiço moreno,
Que os meus desejos vão circundando em colmeia.

Tem música no andar, quando à tarde passeia
Do seu alto balcão nos marmóreos losangos.

A sua boca é um sorvete de morangos.

Seu magro busto oval brilha, como um santelmo,
Sob o seu penteado, esse ebânico elmo
Pesado e nocturnal, com reflexos azuis.

Seu gesto excede em graça as larvas dos paúis,
Que em curvos voos vão voando à flor dos pântanos.

Tem as unhas de opala; o seu riso quebranta-nos;
Vibrante de coral, seus cílios são de seda;
Seu capitoso olhar é um vinho que embebeda;
Seus negros olhos são duas amoras negras!

Original, detesta as convenções e as regras;
Ama o luxo, o requinte e a excentricidade,
Faz tudo o que lhe apraz, impõe sua vontade,
Diz o que sente, sem lisonja, sem disfarce.

Cousa que muito poucos têm, sabe domar-se:
Como é medrosa, a fim de ver se perde o medo,
Às quietas horas do Mistério e do Segredo,
Percorre longos, funerários corredores,
Onde pairam, chorando as suas fundas dores,
Fantasmas glaciais, errantes e protervos!
Nervosa, com o fim de subjugar seus nervos,
Corta as unhas em bico, à guisa de punhais.

– Chega mesmo a morder pedaços de veludo!

Detesta o movimento, as expansões e tudo
O que possa alterar o seu viver inerte;
Não costuma sair; sonha; não se diverte;
Seus raros gestos são cheios de bizarria,
Finos, excepcionais, sem par.
Pedi-lhe um dia
Que me dissesse qual é o sonho singular,
O sonho que Ela mais quisera realizar,
Aquilo que Ela mais desejaria ter,
Ao que Ela respondeu:
– «Desejaria viver
«No pólo norte, numa estufa de cristal!»

Odeia a luz: ama a penumbra vesperal...
Odeia o piano: adora o som lento do órgão...

E suas finas mãos que bem raro me outorgam
A permissão de as oscular, suas mãos finas,
As suas mãos arquiducais, longas, divinas,
Não sustiveram nunca o peso duma agulha.

Ama os perfumes e as visões; odeia a bulha;
Seu corpo estonteante e lânguido que exala
Doces e sensuais aromas de Sofala,
Do Cairo, do Japão, do Iémen e da Pérsia,
Seu corpo sensual foi feito para a inércia:
– Até para falar às vezes tem preguiça!

Tal é a fria Flor taciturna, insubmissa,
Cujos olhos astrais cortam como estiletes,
Tal é a bem Amada impassível, trigueira,
Cujos olhos astrais – agudos alfinetes,
Ferem meu coração – dorida pregadeira!




XI

Um sonho.

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Esmaiece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...

Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contactos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...




XII

Saúde e Ouro e Luxo! A Primavera
Interminável! Viagens! Dias lentos!
Inércia e Ouro! O nome aos quatro ventos!
Noites mornas de amor! Tal a Quimera!

A Sombra! A falta de Ouro que exaspera
E da mulher os falsos juramentos!
Correr mapas! Bocejos sonolentos!
Assim a Vida corre e nos lacera!

Sonhamos sempre um sonho vago e dúbio!
Com o. Azar vivemos em conúbio,
E apesar disso, a ALMA continua

A sonhar a Ventura! – Sonho vão!
Tal um menino, com a rósea mão,
Quer agarrar a levantina LUA!